FUNDEP - 2019 - Promotor de Justiça (MPE MG)/LVII

FUNDEP | 2019 | Promotor de Justiça (MPE MG)/LVII

Assinale a afirmativa incorreta à luz da ordem jurídica brasileira:

a) Não existe no ordenamento a previsão normativa expressa do direito à boa administração ou à boa governança.

b) Uma das dimensões de accountability consiste no dever de prestação de contas dos resultados das ações dos administradores públicos, garantindo a transparência da gestão e das políticas públicas adotadas, em sintonia com o modelo democrático.

c) O planejamento administrativo, compreendido como poder de produzir ou obter determinado conteúdo planejador estratégico, tático ou operacional na Administração Pública, consubstancia-se em faculdade jurídica do gestor público, funcionando como antecedente da eficiência administrativa.

d) A melhor articulação e a integração entre os ocupantes de cargos públicos, as pessoas que exercem funções públicas, os funcionários terceirizados e o Terceiro Setor não são satisfeitas por meio da teoria weberiana, revelando, num ângulo, a rede complexa de obrigações do governante para a realização de direitos fundamentais na sociedade contemporânea.


Comentários:

Olá, futuro(a) Promotor(a) de Justiça!

Esta questão da FUNDEP/MPE-MG aborda um tópico fundamental e estratégico do Direito Administrativo moderno: o entrelaçamento entre princípios como a eficiência, o planejamento, a boa governança e o conceito de accountability. É uma questão que testa não apenas a memorização da lei, mas o domínio conceitual da Administração Pública contemporânea, diferenciando poderes-deveres de meras faculdades.

Vamos desmembrar este assunto em uma aula completa.


1. Enquadramento Temático

A questão centraliza-se nos Princípios Fundamentais e nos Deveres da Administração Pública, com ênfase nas práticas de Governança Pública e na natureza jurídica do Planejamento Administrativo no ordenamento brasileiro.

2. A Aula - O Núcleo do Tema

O Princípio da Eficiência e a Governança Pública

O Princípio da Eficiência foi inserido expressamente no caput do Art. 37 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional 19/1998. A eficiência é a busca por melhores resultados práticos (produtividade), alcançados por meio da melhor atuação possível, com celeridade e redução de desperdícios (economicidade).

A eficiência está diretamente relacionada à ideia de Boa Administração/Boa Governança. Embora o direito fundamental à boa administração não esteja previsto expressamente no ordenamento jurídico brasileiro, ele é considerado um princípio implícito adotado pelo Brasil, decorrente do Estado de Direito.

A boa governança exige que o Poder Público não se limite a cumprir suas obrigações, mas que garanta que os particulares sejam tratados de forma correta, com pleno acesso aos seus direitos, demandando um alto grau de diligência e cuidado.

Accountability

O conceito de accountability é um pilar do modelo democrático e da boa governança. Ele pode ser entendido como a obrigação que os agentes públicos têm de prestar contas de suas ações e decisões, sendo responsabilizados por elas.

A accountability se relaciona intrinsecamente com a transparência e com o controle do poder político. Uma das suas dimensões, por exemplo, é a informação, que se traduz no dever de prestação de contas dos resultados das ações dos administradores públicos.

Planejamento: Poder-Dever, Não Mera Faculdade

No Direito Administrativo, o planejamento não é uma opção, mas sim um dever funcional que precede a busca pela eficiência.

  1. Conceito e Natureza: O planejamento é um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade em direção a objetivos previamente estabelecidos. No setor público, a competência atribuída a um agente ou órgão não é uma escolha, mas sim um exercício obrigatório para o cumprimento do dever imposto pela lei. Isso significa que os poderes conferidos à Administração são, na verdade, poderes-deveres ou deveres-poderes.
  2. Fundamento: O planejamento é essencial para que a gestão fiscal seja responsável, conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), impondo a análise antecipada dos impactos orçamentário-financeiros dos atos administrativos, como na desapropriação.
  3. No Contexto Licitatório: O planejamento foi elevado a princípio regente das licitações na Lei nº 14.133/2021. Ele demanda que a fase preparatória do processo licitatório (também conhecida como fase interna) seja caracterizada pelo planejamento e compatibilizada com o plano de contratações anual e as leis orçamentárias.

Portanto, o planejamento é determinante para o setor público, pois é um pré-requisito para a legalidade e a eficiência da gestão.

A Crise do Modelo Weberiano e a Administração Gerencial

A complexidade da sociedade contemporânea e a exigência de realização de direitos fundamentais impulsionaram a superação do Modelo Burocrático (Weberiano) clássico, focado rigidamente em regras e hierarquia.

O modelo que o sucede, a Administração Pública Gerencial, busca a eficiência, a descentralização, e a flexibilidade, o que inclui a articulação institucional e parcerias com o Terceiro Setor para a prestação de serviços não exclusivos do Estado. Esta rede complexa de cooperação e obrigações é justamente o que o modelo puramente weberiano (burocrático) não consegue satisfazer.

3. Análise Detalhada da Questão

A questão solicitava a afirmativa INCORRETA.

a) Não existe no ordenamento a previsão normativa expressa do direito à boa administração ou à boa governança. Análise: Esta afirmação é considerada correta sob o prisma jurídico tradicional em provas, embora o conceito seja amplamente aceito como um princípio implícito. O direito fundamental à boa administração não está previsto de forma expressa no texto constitucional brasileiro, sendo um princípio implícito decorrente do Estado de Direito.

b) Uma das dimensões de accountability consiste no dever de prestação de contas dos resultados das ações dos administradores públicos, garantindo a transparência da gestão e das políticas públicas adotadas, em sintonia com o modelo democrático. Análise: Esta afirmação está correta. A accountability é justamente a obrigação de os agentes públicos prestarem contas, o que exige transparência na gestão.

c) O planejamento administrativo, compreendido como poder de produzir ou obter determinado conteúdo planejador estratégico, tático ou operacional na Administração Pública, consubstancia-se em faculdade jurídica do gestor público, funcionando como antecedente da eficiência administrativa. Análise: Esta afirmação está INCORRETA. O erro crucial reside na classificação do planejamento como "faculdade jurídica". Como visto, a Administração Pública opera sob o regime de poder-dever de agir (exercício obrigatório). O planejamento é uma exigência legal (como na LRF e na Lei de Licitações) e um dever indispensável para a eficiência e responsabilidade na gestão pública, e não uma opção do gestor.

d) A melhor articulação e a integração entre os ocupantes de cargos públicos, as pessoas que exercem funções públicas, os funcionários terceirizados e o Terceiro Setor não são satisfeitas por meio da teoria weberiana, revelando, num ângulo, a rede complexa de obrigações do governante para a realização de direitos fundamentais na sociedade contemporânea. Análise: Esta afirmação está correta. O modelo gerencial, que sucedeu o modelo burocrático (weberiano), busca essa articulação e flexibilidade, promovendo a descentralização e as parcerias com o Terceiro Setor, justamente para lidar com a complexidade da realização dos direitos fundamentais e a exigência de uma postura ativa do Estado.

4. Ponto de Atenção (A "Pegadinha" da Banca)

A principal "pegadinha" da banca nesta questão é a troca de conceito entre "poder-dever" e "faculdade jurídica". Em provas de alta complexidade para as carreiras jurídicas, o examinador frequentemente tenta confundir o candidato utilizando esses termos em elementos essenciais da Administração.

O Planejamento é um dever que surge do princípio da eficiência (Art. 37, CF) e da responsabilidade na gestão fiscal (LRF), sendo uma condição de validade e regularidade para diversos atos (como licitações e desapropriações). Classificá-lo como faculdade (algo que o gestor pode optar por fazer ou não) desvirtua toda a estrutura do Direito Administrativo, onde a ação pública é vinculada ao interesse coletivo e, portanto, obrigatória quando a lei assim o exige.

5. Resumo Final (Caixa de Memorização)

  • Gabarito Incorreto: A afirmativa (c) erra ao tratar o planejamento como uma faculdade jurídica, sendo, na verdade, um poder-dever essencial para a consecução da eficiência e da gestão fiscal responsável.
  • Accountability e Boa Governança: São conceitos interligados que impõem o dever de prestação de contas e transparência dos atos públicos.
  • Modelo Weberiano: Não comporta a complexidade e a flexibilidade das parcerias e da articulação interinstitucional exigidas pela Administração moderna (Gerencial) para realizar os direitos fundamentais.
  • Boa Administração: É tratada como um princípio implícito no Direito brasileiro, mesmo sem previsão textual expressa.

Comentários


Inscreva-se para receber atualizações!

Sobre o Coordenador e Idealizador

Sobre o Coordenador e Idealizador
Maycon Antônio Moreira

Postagens mais visitadas deste blog

IBGP | 2024 | Promotor de Justiça (MPE MG)/MPMG - Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Lei Complementar nº 101/200

Lei 15.272/2025: A Nova Prisão Preventiva do CPP

FUNDEP | 2021 | MPE-MG - Regras de Despesa e Receita em Situação de Exceção